A fruta que mudou de dono: biopirataria, colonialismo botânico e a trajetória da laranja-de-umbigo do Cabula
DOI:
https://doi.org/10.36557/2009-3578.2025v11n2p1969-1990Palavras-chave:
Biopirataria; Colonialismo botânico; Laranja-de-umbigo; Washington Navel.Resumo
Este artigo teve como objetivo analisar criticamente a trajetória histórica da laranja-de-umbigo (Citrus sinensis var. umbilicata), originária do Quilombo Cabula (Salvador, Bahia), destacando seu processo de biopirataria, transferência para os EUA e declínio no Brasil. Busca-se compreender os fatores que levaram à hegemonia californiana dessa cultivar (comercializada como Washington Navel) e a ausência de políticas públicas para seu resgate no território de origem. A pesquisa combina revisão bibliográfica, análise documental de fontes históricas e dados de comércio agrícola. Fundamenta-se nos conceitos de biopirataria, colonialismo botânico e injustiça socioambiental, discutindo como a apropriação de saberes tradicionais e recursos genéticos reforça desigualdades globais. Parte-se da noção de que a biopirataria é um desdobramento do colonialismo científico, onde conhecimentos e biodiversidade do Sul Global são explorados sem benefícios às comunidades originárias. A laranja-de-umbigo exemplifica esse processo, tendo sido extraída do Cabula e transformada em commodity pelos EUA, enquanto o Brasil não capitalizou seu potencial. Identificou-se que a transferência clandestina da cultivar para a Califórnia, no século XIX, permitiu seu sucesso comercial, enquanto o Cabula, desprovido de apoio técnico e políticas de preservação, viu sua produção declinar. Conclui-se que a história da laranja-de-umbigo reflete dinâmicas de espoliação colonial, exigindo ações reparatórias e valorização dos saberes tradicionais associados a essa variedade.
Downloads
Referências
BABCOCK, Bruce A. Economic Impact of California’s Citrus Industry. Riverside: University of California, Riverside; Citrus Research Board, 2018.
BAHIA, Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia. Relatório Anual: Rios de Salvador – 2022. Salvador: INEMA, 2023. Disponível em: http://www.inema.ba.gov.br. Acesso em: 20 mai. 2025.
BARQUEIRO, Maria Hilda. A presença indígena na construção da cidade do Salvador. p.47. In: NASCIMENTO, Jaime; GAMA, Hugo (Orgs.). A Urbanização em três tempos – Colônia, Império e República. Vol 1. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 2011.
CALIFORNIA CITRUS MUTUAL. Economic Impact Report 2023. Exeter: CCM, 2023. 45 p. CALIFORNIA CITRUS STATE HISTORIC PARK.California Citrus Park Museum. Riverside, CA, [20--]. Disponível em: <https://www.californiacitruspark.com/museum/>. Acesso em: 17 jun 2025.
CALIFORNIA STATE PARKS. California Historical Landmark N° 20 – Parent Washington Navel Orange Tree. Riverside, 1920. Disponível em: https://www.hmdb.org/m.asp?m=154354. Acesso em: 25 jun. 2025.
CARVALHO, Álvaro. Viagem sentimental a Bahia, 1ª ed. Florianópolis, 1997.
CASTRO, Ieda Pessoa de. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001.
CITRUS INDUSTRY. U.S. Citrus production 2022/23: winners & losers. Citrus Industry, 29 nov. 2023. Disponível em: https://citrusindustry.net/2023/11/29/u-s-citrus-production-2022-23-winners-losers/. Acesso em: 17 jul. 2025.
DIGITAL COMMONWEALTH. Parent Navel Orange Tree, Riverside, California. [Boston]: Digital Commonwealth, [20--]. 1 fotografia histórica. Disponível em: https://www.digitalcommonwealth.org/search?q=%22Parent+Navel+Orange+Tree%22. Acesso em: 10 jun. 2025.
DORSETT, Palemon Howard.; SHAMEL, Archibald Dixon; POPENOE, Wilson. The navel orange of Bahia: with notes on some little-known Brazilian fruits. Washington, D.C.: U.S. Department of Agriculture, 1917. Disponível em: <https://www.biodiversitylibrary.org/>. Acesso em: 17 jun 2025.
EMBRAPA. A Contribuição da Laranja Bahia para a Citricultura Mundial: Estudos Agronômicos e Históricos. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica. 2015.
EMBRAPA. Citricultura brasileira: histórico e perspectivas. Brasília: Embrapa, 2022. 180 p.
FAO. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Faostat: crops. 2023.
Disponível em: https://www.fao.org/faostat/en/#rankings/commodities_by_country. Acesso em: 08 de jun. de 2025.
FERNANDES, Rosali Braga. Las políticas de La vivieda em La ciudad de salvador y los procesos de urbanizasión popular em El caso Del Cabula. Feira de Santana: UEFS, 2003.
FRESH FRUIT PORTAL. Global Citrus Market Analysis 2023. Santiago: FFP, 2023. 28 p.
IBGE, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção de laranja. Brasília, DF: IBGE, 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/producao-agropecuaria/laranja/br. Acesso em: 18 jun. 2025.
KINDIG, Michael. Parent Washington Navel Orange Tree Marker. HMdb.org. THE HISTORICAL MARKER DATABASE. September 22, 2002. Disponível em: https://www.hmdb.org/m.asp?m=154354. Acesso em: 29 jun. 2025.
LABOSSIERE, Regine. A Navel Worth Gazing At: Tree Made History. Plantas. Los Angeles Times. 2004. Disponível em: https://www.latimes.com/archives/la-xpm-2004-aug-05-me-surround5-story.html. Acesso em: 12 jun. 2025.
MARTINS, Luciana Conceição de Almeida. História pública do Quilombo do Cabula: representações de resistências em museu virtual 3D aplicada à mobilização do turismo de base comunitária. 2018.
MCCLELLAND, G. T. A introdução da laranja-baía de Washington na Califórnia. Citrus Label Society, 2014. Disponível em: <https://www.citruslabelsociety.com/articles/article-2014-01.html>. Acesso em: 16.jun 2025.
NASS, United States Department of Agriculture; California Department of Food And Agriculture. 2024-25 California Navel Orange Objective Measurement Report. Sacramento (CA): CDFA / USDA-NASS, 12 set. 2024.
NUNES, Davi. Cabula: resistência quilombola. Blog Duque dos Banzos. 2015. Disponível em: https://ungareia.wordpress.com/2015/07/05/cabula-resistencia-quilombola-uma-ascendencia-cabulosa/. Acesso em: 24 jul. 2025.
PASSOS, Orlando Sampaio. The History, Routes of Dispersion and the contribution of the Bahia (Navel) orange for the International citrus industry. In: SINGH, S.; GHOSH, S. P. (Ed.). Citrus management. Delhi: ISC/ICAR/NRCC, p.30-33.1999.
PEDREIRA, J. A Extinção dos Quilombos na Bahia: Documentos e Interpretações. Salvador: EdUFBA. 1973.
REUTHER, Walter. The Citrus Industry. Berkeley: University of California, 1973. Disponível em: https://www.fao.org/3/ac482e/ac482e05.htm. Acesso em: 25 jun. 2025.
SANDEN, Dave. How a Pioneering Woman and the Early USDA Launched a Second California "Gold Rush". Blog USDA. 2012. Disponível em: https://www.usda.gov/about-usda/news/blog/how-pioneering-woman-and-early-usda-launched-second-california-gold-rush. Acesso em: 15 jul. 2025.
SANTOS FILHO, Magno Guimarães Desempenho hortícola de germoplasma de Laranja-de-Umbigo no Recôncavo Baiano e na Chapada Diamantina, 2024. 140 f. Tese (Fitotecnia) - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, 2024.
SHAMEL, A. D. (1917). The Navel Orange of Bahia: Its History and Economic Importance. Washington: USDA Bulletin n. 445.
STAT. Higher California Navel Harvest. STAT Communications Ltd. 2024. Disponível em: https://www.statpub.com/index.php/gab/article/718268.html?utm_source. Acesso em: 15 jun. 2025.
SUNKIST GROWERS. Newslink: keeping growers informed. [S. l.], 1 ago. 2014. Disponível em: https://growers.sunkist.com/wp-content/uploads/sites/4/2015/09/Newslink-080114.pdf. Acesso em: 30 jul. 2025.
TEIXEIRA, M. Terras do Cabula: História e Processo de Urbanização. Rio de Janeiro: Editora FGV. 1978.
UNITED STATES. Department of Agriculture. Bulletin of the U.S. Department of Agriculture, n. 445. [S.l.]: Nabu Press, 1917.
UNITED STATES. Department of Agriculture (USDA), Agricultural Marketing Service (AMS). California and Arizona Orange Grades and Standards. 1999. Disponível em: https://www.ams.usda.gov/sites/default/files/media/Orange_%28CA_and_AZ%29_Standard%5B1%5D.pdf. Acesso em: 30 jun. 2025.
UNITED STATES. Department of Agriculture. Citrus Fruits Summary 2023. Washington: USDA, 2023. 62 p. (Statistical Bulletin n. 1124). 2023.
UNITED STATES. Department of Agriculture. Foreign Agricultural Service. Global Agricultural Information Network (GAIN) Reports. Washington, DC: USDA FAZ. 2023. Disponível em: https://fas.usda.gov/data. Acesso em: 18 jul. 2025.
UNITED STATES. Department of Agriculture. Foreign Agricultural Service. Market Access Program (MAP). Washington, DC, 2025. Disponível em: https://www.fas.usda.gov/programs/market-access-program-map. Acesso em: 29 jul. 2025.
USDA/NASS. Citrus Fruits 2024 Summary. National Agricultural Statistics Service. United States Department of Agriculture. August 2024. 2024. ISSN: 1948-9048. Disponível em: file:///C:/Users/andre/Downloads/cfrt0824.pdf. Acesso em: 16 jul. 2025.
VIDAL, Eudes Mata. Proposta didática baseada no ensino de História e Geografia: aplicação em escolas da região do Cabula para mobilização do turismo de base comunitária. Tese (Doutorado em Difusão do Conhecimento) - Programa de Pós- Graduação Multi-institucional em Difusão do Conhecimento, Salvador, 2021, 323f
WADDELL, W. A. Personal Correspondence on Bahian Orange Cultivation. Riverside: Citrus Research Archive, 1914.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Amilca Maria de Lima Fernandes, Andréia Bárbara Serpa Dantas, Tais Danila Macêdo da Cruz, Débora Carolina Abreu Pires, Ana Maria Martins Souto, Telma Lucia Pereira da Silva, Moselene Costa dos Reis, Fernanda Pereira de Brito, Thaís França de Barros Conceição, Noádya Cristina Oliveira da Cruz, Vera Lúcia Santos de Jesus, Edileuza Moura Candido da Silva

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Você tem o direito de:
- Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.
- Adaptar — remixar, transformar, e criar a partir do material para qualquer fim, mesmo que comercial.
De acordo com os termos seguintes:
- Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado , prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas . Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.
- Sem restrições adicionais — Você não pode aplicar termos jurídicos ou medidas de caráter tecnológico que restrinjam legalmente outros de fazerem algo que a licença permita.